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terça-feira, 5 de abril de 2011

Semana Santa - Festa barroca em tempo de fé


Da PMOP

A Semana Santa é Ouro Preto em pleno estado de graça. No altar das montanhas de Minas, a cidade celebra sua festa maior, na qual arte e fé se confundem e projetam, numa única expressão, o sentimento mais profundo do povo. Há mais de três séculos, Ouro Preto rememora a Paixão de Jesus Cristo com a dramaticidade barroca da liturgia e a emoção criadora da arte. É este momento de singular transcendência que agora tem início, culminando na sexta-feira santa, dia 22, e no domingo de Páscoa, dia 24 de abril.
Angelo Oswaldo – Prefeito de Ouro Preto 

 

A cidade de Ouro Preto nasceu sob o signo da fé. Em 24 de junho de 1698, dia de São João Batista, missa celebrada pelo bandeirante padre João de Faria Fialho marcou a chegada da bandeira de Antônio Dias de Oliveira à sonhada região do Ouro Preto, ouro recoberto por camada escura de óxido de ferro. Logo os arraiais se multiplicaram na grande garganta formada por duas serras monumentais, e com a criação de Vila Rica, em 8 de julho de 1711, veio também a organização eclesiástica, surgindo as paróquias do Pilar de Ouro Preto e da Conceição de Antônio Dias.

A Semana Santa tornou-se o principal acontecimento na vida da metrópole do garimpo, que fervilhava na agitação típica de um eldorado. E a festa religiosa se viu também atingida pelos conflitos que se alastravam entre a população, em meio à febre do ouro. Separados pelo morro de Santa Quitéria, sobre o qual se estende a Praça Tiradentes, paulistas pioneiros e portugueses senhores da colônia firmaram forte rivalidade. Na paróquia de Antônio Dias, concentraram-se os oriundos de São Paulo, desbravadores do sertão e responsáveis pela descoberta das minas. Na freguesia do Pilar, instalada no Ouro Preto propriamente dito, ficaram os portugueses, reinóis e donos do território. Para evitar as permanentes contendas entre jacubas (moradores do Antônio Dias e comedores de farinha) e mocotós (habitantes do Pilar regalados com fartura de carne), as Paróquias sabiamente decidiram estabelecer alternância na celebração da Semana Santa. A cada ano, uma delas assumiria a direção dos festejos, evitando atritos.

Este ano, por ser ímpar, segundo a tradição de quase três séculos, a presidência da Semana Santa cabe à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, tendo à frente o padre Luiz Carlos Cesar Ferreira Carneiro, seu pároco. Mas Ouro Preto, como um todo, se movimenta e colabora para que a Semana Santa seja, sempre mais, o comovente testemunho da fé que ilumina a alma de seu povo.

As Irmandades
Com suas opas e hábitos tradicionais, as irmandades de Ouro Preto foram fundadas no século XVIII e continuam atuantes, marcando presença imprescindível nas solenidades da Semana Santa. Trata-se de organizações religiosas laicas, surgidas nos primórdios da civilização mineradora, para que nelas se compartimentasse a população inteira. O rei de Portugal impediu que entrassem nas Minas as ordens religiosas conventuais, que poderiam fazer de seus mosteiros inexpugnáveis focos de contrabando de ouro e diamantes. Com isso, impôs aos mineiros a adesão a irmandades que sustentaram o culto em suas respectivas capelas. Foi uma espécie de privatização do serviço religioso, que era monopólio do Estado.

Havia a irmandade dos brancos nascidos em Portugal, dos mazombos, ou brancos brasileiros, dos negros livres, dos escravos, dos pardos e de variadas categorias profissionais, à maneira das corporações da Idade Média: carpinteiros, músicos, militares, alfaiates.

Logo a disputa e a emulação levaram as confrarias a uma insistente busca de sinais exteriores de prestígio. A arquitetura dos templos e a riqueza da fábrica (o conjunto dos bens móveis da igreja), a qualidade das alfaias e a abundância de ouro e prata, entre outras cintilações, assinalavam o status de cada irmandade. E, ainda hoje, cruzes processionais, lampadários, tocheiros, varas, navetas e turíbulos de prata saem dos museus sacros para as procissões da Semana Santa, abrilhantando o comparecimento e o desfile das imperecíveis irmandades ouro-pretanas.
(Ronald Peret)




Procissões na ladeira
Os primeiros cristãos realizavam procissões na Roma antiga, apropriando-se do ritual dos préstitos de triunfo do império como demonstração de sua fé e de sua força. As procissões atravessaram os séculos e o oceano. Chegaram às montanhas de Minas Gerais com as primeiras bandeiras. Em maio de 1733, quando da inauguração da Matriz do Pilar, realizou-se a mais famosa de todas as procissões da América portuguesa, segundo testemunha o cronista Simão Ferreira Machado, autor do livro “Triunfo Eucarístico”, publicado um ano mais tarde, em Lisboa, para memória do admirável acontecimento.

As procissões de Ouro Preto são famosas pela piedade e pelo encanto que as envolve. Subindo e descendo ladeiras, elas sugeriram belos poemas a autores como Alphonsus de Guimaraens, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Cecília Meireles e Henriqueta Lisboa.

Marchas e dobrados são executados pelas duas bandas de música de Ouro Preto, a Sociedade Musical Senhor Bom Jesus de Matosinhos, Banda do Rosário, e a Sociedade Musical Senhor Bom Jesus das Flores ou Banda do Alto da Cruz. O Coral e Orquestra do Pilar, sob a regência de Alcindo Alves, se apresentam nos atos litúrgicos, tendo a colaboração de vários convidados.

A grande música
A civilização do ouro estimulou o desenvolvimento da atividade musical em todas as regiões das Minas Gerais. O compositor José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita foi regente da orquestra do Pilar de Ouro Preto e tocou no órgão que existiu na Matriz. João de Deus de Castro Lobo, um dos maiores autores do período, nasceu em Vila Rica, onde também atuaram nomes importantes como Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto e Inácio Parreira Neves. O Museu da Inconfidência conserva notável conjunto de partituras do século XVIII, prova da riqueza da produção colonial mineira.
Peças desses autores se fazem ouvir nas cerimônias da Semana Santa, desde a sexta-feira véspera do Carnaval, quando teve início o Setenário das Dores de Nossa Senhora, na Matriz do Pilar. Em sete sextas-feiras, até a véspera do Domingo de Ramos, orquestra e coro evocam as sete dores de Maria Santíssima com a música herdada do ciclo do ouro.

A Verônica
O Evangelho nada esclarece sobre o episódio da Verônica, que teria enxugado o rosto de Jesus, durante a caminhada para o Calvário. Mas a tradição cristã fez de Verônica uma das personagens mais emocionantes da Semana Santa. O nome da santa mulher é uma criação do imaginário cristão. Vero ícone quer dizer verdadeira imagem, isto é Verônica.

Ela quis socorrer Jesus, enxugando-lhe a face coberta de suor e sangue, e viu que o sudário guardou, nele impressa, a sagrada imagem. Acredita-se preservado na catedral de Turim o linho no qual Jesus teria sido envolto no sepulcro, tendo permanecido impressa no tecido a imagem de um corpo.

Durante a Procissão do Enterro, a Verônica para e canta, em cima de um mocho (tamborete), a sua advertência a todos os que transitam pelas vias da cidade: O vos omnes qui transitis per viam, attendite et vidite si est dolor sic ut dolor meus... (O vós todos que transitais pela rua, parai e vede se há dor como a minha dor). As Eús são as carpideiras que, atrás da Verônica, lamentam, com seu pranto, a morte do Senhor. As capelas dos Passos, diante das quais se reza o ofício das procissões, são cinco: Ponte Seca, Rosário, Rua São José, Praça Tiradentes e Antônio Dias.

Ornamentação das ruas
Cronistas do século XVIII e viajantes do século XIX registram, em suas páginas, a magnificência das festas religiosas em Ouro Preto. Vem daquele tempo o costume da ornamentação de fachadas e ruas para a passagem dos soleníssimos cortejos. Na Sexta-Feira Santa, antigamente Sexta-Feira da Paixão, à noite, as casas acendem velas em lanternas, nas fachadas, para a Procissão do Enterro. No século XVIII, todas as fachadas deviam ostentar luminárias.

Na noite de Sábado Santo e na madrugada do Domingo da Ressurreição, a cidade se mobiliza para confeccionar o tapete de flores. Muitos turistas se engajam na tarefa. Este ano, ele ligará a Matriz de Antônio Dias à Matriz do Pilar, restabelecendo o trajeto tradicional, pelo centro da cidade. Grupos de seresta, na madrugada das Aleluias, desfilam ao longo do tapete, saudando os que o confeccionam e anunciando a alegria da Páscoa.

Queima do Judas
Tradição da Semana Santa de Ouro Preto é ainda a Queima do Judas. A legendária malhação, no entanto, mais que evocação do traidor, é uma festa ruidosa e divertida, que atrai sobretudo as crianças. Uma comissão de moradores do Pilar e do Rosário se encarrega de promover a Queima do Judas junto à Capela do Senhor do Bonfim, na velha rua da Glória, hoje rua Antônio de Albuquerque, domingo à tarde. Com balas e amendoim para a criançada.

As igrejas e museus permanecem abertos para a visitação cultural, durante a Semana Santa, bem como a Casa da Ópera, o mais antigo teatro em atividade nas Américas. O Museu de Ciência e Técnica da Escola de Minas, com sua coleção mineralógica sem igual, o Museu da Inconfidência, com o panteão dos conjurados, a Casa dos Contos, a Maria-Fumaça para a cidade de Mariana, o Parque Horto dos Contos e o Parque da Cachoeira das Andorinhas, as pousadas rurais e os distritos, como Lavras Novas, a 1.510 metros de altitude, são atrativos que igualmente tornam a cidade inesquecível.

Tapetes de serragem: Tradição de Ouro Preto

Todo ano a história se repete: na noite do Sábado de Aleluia e na madrugada do Domingo de Páscoa, as ruas de Ouro Preto se transformam. A população une-se para confeccionar os tapetes que enfeitarão o trecho da cidade por onde passará a procissão da Ressurreição. Este ano, a procissão sairá da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e percorrerá cerca de três quilômetros e meio até a igreja de Nossa Senhora do Pilar.

Todo o trabalho de confecção dos tapetes é artesanal. Para isso são usado ciprestes, farinha de trigo, pó de café, palha de arroz, couro, cal e serragem. A serragem é preparada com quase um ano de antecedência. É separada por textura e tingida de diversas cores.

A Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop) coordena o trabalho dos tapetes, desde o projeto até a confecção. A comunidade se junta aos artistas da FAOP e ainda a turistas brasileiros e estrangeiros.

Bandas de música e grupos de seresta passam a madrugada percorrendo as ruas da cidade para incentivar os moradores que trabalham nos tapetes.

(Ronald Peret)



Rivalidade histórica
A tradição de enfeitar as ruas de Ouro Preto com tapetes de serragem é antiga. Em 1733, a Igreja de Nossa Senhora do Pilar foi oficializada pelo Reino de Portugal. O Santíssimo, que representa o Corpo de Cristo, teve de ser transportado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos para a recém inaugurada Matriz de Nossa Senhora do Pilar. “Os negros do Rosário quiseram fazer uma festa muito bonita, durante o Triunfo Eucarístico. Então, eles enfeitaram toda a cidade com tapetes. Depois dessa festa, ninguém mais se lembrou deles”, conta Márcia Valadares.

A confecção dos tapetes só recomeçou em 1963, quando Nossa Senhora do Pilar foi escolhida a Padroeira de Ouro Preto. Todas as ruas da cidade foram enfeitadas, numa grande festa. A Partir daí, os tapetes passaram a compor o cenário da cidade no Domingo de Páscoa e no dia do Triunfo Eucarístico.

A cada ano a cidade fica diferente na Páscoa. É que as duas igrejas matrizes da cidade se revezam na preparação da Quaresma e da Páscoa. Um ano a festa é preparada pela Matriz de Nossa Senhora do Pilar, no outro ano fica por conta da Matriz de Nossa Senhora da Conceição. E cada paróquia tenta fazer melhor do que a outra.

Essa rivalidade entre as duas paróquias vem da época da colonização da cidade. Foram fundadas duas vilas: Vila Rica e Antônio Dias, que brigavam pela maior produção de ouro e pela preferência da Coroa Portuguesa. Depois, Vila Rica se tornou Ouro Preto e anexou Antônio Dias. Mas a rivalidade continuou, principalmente durante a Semana Santa.

Além da criatividade na confecção dos tapetes, as procissões são diferentes. Cada matriz tenta inovar na representação das figuras bíblicas integrantes da procissão, ou acrescentar algo novo à programação.

2 comentários:

  1. Um passeio no tempo, para uma interessante aula de História: de Ouro Preto e de toda Minas colonial. Parabens!

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